Fundo Global Tuberculose Brasil
Ex-paciente, Marcos Faustini, lança novos significados sobre a tuberculose em seu livro “Guia afetivo da periferia”
O cineasta e diretor de teatro Marcos Faustini, atual secretário de Cultura de Nova Iguaçu, está lançando em abril um livro de crônicas, “Guia afetivo da periferia”, pela editora Aeroplano. Nele, este carioca de 37 anos nascido e criado “dentro do maior conjunto habitacional da América Latina, o Cesarão”, no bairro de Santa Cruz, lança mão de suas memórias para pensar a periferia “como um lugar que produz significados”. Numa das crônicas do livro, Faustini aproveita a oportunidade para lançar novos significados sobre a tuberculose, ao descrever o período em que, aos 19 anos, teve de encarar a doença.
O ano era 1991 e o tratamento foi todo realizado num hospital de referência, em Jacarepaguá. Embora tenha registrado na memória a falta de preparo e compromisso dos atendentes do hospital, Faustini diz que essas qualidades sobraram no médico que o atendeu, e que nunca lhe faltou medicamento. “O tratamento é devastador, mas é eficiente”, resume.
“Derrame pleural”
Faustini trabalhava na cantina do cemitério do Caju quando contraiu a doença. Dezoito anos depois, ele ainda recorda o dia da descoberta. “Estava de bicicleta, na chuva, dentro do conjunto habitacional, quando tive uma tosse forte. Naquela noite eu tive muita febre. No dia seguinte, fui correndo a um hospital público”, conta. Quando o diagnóstico se confirmou, ele se impressionou com a definição médica e seu significado: “derrame pleural”, ou seja, o bacilo da tuberculose podia se alojar em qualquer área do pulmão, como, por exemplo, na pleura – no caso dele, no lado esquerdo do pulmão, que hoje, em tom de brincadeira, Faustini lembra ser o mesmo de poetas famosos, como Manuel Bandeira e Charles Baudelaire, que foram obrigados a conviver com a doença durante boa parte de suas vidas.
Quando foi ao hospital buscar seu primeiro lote de comprimidos, Faustini se chocou com o cenário que viu, formado por pessoas extremamente magras. “É impressionante como um bacilo pode ser tão destruidor. Mas depois desse primeiro momento, que é mais dolorido, eu me senti mais forte. Porque assim como o bacilo é devastador, o remédio também é”, diz.
Adotando estratégias
Após presenciar alguns abandonos de tratamento, Faustini pode compreender uma de suas causas. “Depois de um mês e meio, você se sente mais forte. Aí é que está o problema: o que a pessoa faz? Acha que está curada e abandona. E o que acontece? O bacilo fica mais forte e a doença volta implacável. Eu vi muita gente nessa situação”, relata.
Mas no seu caso, a determinação de ficar vivo o fez superar todas as dificuldades.“E eu ainda tinha de ir todo mês ao hospital para tirar o líquido que ficava retido na pleura”, conta. “Mas decidi que ia passar por essa. Eu era muito novo, não estava a fim de morrer e criei uma determinação de que ia passar por aquilo.”
Faustini soube tirar proveito da solidão do tratamento. Recorda que foi graças à tuberculose que pode se dedicar à leitura de clássicos da literatura. Leu, por exemplo, todos os volumes de “Em busca do tempo perdido”, do francês Marcel Proust. Leu também autores brasileiros emblemáticos, como Manuel Bandeira, que viveu, segundo Faustini, “a maior convalescença por tuberculose da arte brasileira”. Para ele, este foi “um dos pontos positivos” da estratégia de cura que adotou. Faustini explica melhor: “A doença faz parte da vida. Não adianta a gente achar que não vai ficar doente nunca. O importante são as estratégias que você cria para superar isso, quando acontece”.
Além da boa leitura, que para Faustini “é tão importante quanto o remédio”, a alimentação foi outra estratégia fundamental. “Aprendi que a alimentação é um investimento. Pensar uma alimentação mais rica, longe dos enlatados e congelados, foi um dos legados mais importantes desse período”, descreve.
Faustini derrubou na prática o que ele mesmo chama de “mito”: o de que a vida acaba para a pessoa que está com tuberculose. Em 2004, ele criou o projeto Reperiferia, cuja missão é “desenvolver uma expressão estética e econômica da periferia da cidade e um projeto pedagógico com foco em práticas culturais para a juventude”. Atuando nas áreas de cinema, artes cênicas, cultura popular, economia solidária e inteligência coletiva, o projeto prega que “a inclusão social só existe de fato com a inclusão subjetiva”. Para quem quiser conhecer melhor o projeto, vale uma visita no site do Reperiferia.
Hoje, Faustini também é responsável pela gestão da Cultura numa das maiores cidades da região metropolitana do Rio de Janeiro. Além disso, encontrou tempo para escrever seu primeiro livro. Haja fôlego!
Fonte: site do Fundo Global Tuberculose Brasil.
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